Las Vegas, Uma hora e quarenta e cinco minutos antes...
No quarto improvisado nos fundos da oficina “Western Crown Custom Choppers”, Mike permanecia sob a luz pálida de seu laptop, perdido em meio às recordações de seu passado. O papel de parede na tela de dezenove polegadas do computador estampava aquele que talvez fosse o último dia perfeito de sua vida. Era um compilado de imagens, onde ele e alguns amigos e amigas se divertiam com suas pranchas de surf em plena “Long Beach” na Califórnia, que traziam novamente à tona todas as sensações implícitas naquela inesquecível tarde de verão. Eles estavam comemorando, Mike havia conseguido uma bolsa de estudos em Stanford, onde estudaria ciências da computação e em poucos anos assumiria o controle das empresas de Software de seu pai. Também foi naquela tarde, exatamente quando o sol começou a se por, que Juliet, após semanas de insistência, aceitou seu pedido de noivado. Ela era perfeita, bonita, inteligente, bem humorada, compreensiva. Talvez por isso doesse tanto aceitar sua atual condição, deixar tudo para trás e seguir em frente na sua nova vida como uratha...
Seus pensamentos foram abruptamente interrompidos pelo enorme estrondo vindo do salão principal do galpão, onde ficavam estacionadas as motos esperando por reparos. Mike deu um pulo saindo rapidamente da parte de cima do beliche, e correu após ouvir o grito de Ray em meio a um barulho que lhe arrepiou todos os pelos do corpo. Era algo como ferro rangendo, como se estivesse sendo arrastado, ecoando de forma aguda pelo galpão. A toda velocidade ele saiu do quarto, passou pelo corredor com as luzes apagadas onde ficava o escritório e despontou na entrada do salão de reparos para se deparar com mais uma, das cada vez mais freqüentes cenas bizarras que tem atualmente testemunhado, em sua ainda curta vida como lobisomem. Ray, seu companheiro de matilha, estava na forma dalu, e se protegia das investidas do dorso humanóide formado de pura eletricidade, que ao mesmo tempo em que tentava desvencilhar o que teoricamente seriam suas pernas, da moto fetiche a onde estava aprisionado, também tentava freneticamente acertar com seu outro longo e desproporcional braço carregado com milhares de volts, o esguio rapaz de traços afro americanos...
O jovem ithaeur analisou a situação de forma rápida e enquanto correu para o painel do alarme de incêndio, gritou para que o irraka se afastasse o máximo possível do espírito elétrico. Imediatamente o companheiro de matilha de Mike pós se a correr, acatando ao pedido de seu amigo vindo ao seu encontro. O rapaz caucasiano, de cabelos loiros na altura dos ombros, concentrou-se sobre o dispositivo eletrônico buscando entrar em sintonia com os espíritos tecnológicos do aparelho, um truque ensinado por Paul, o seu alfa, a fim de confundi-los e fazer o sensor de fumaça disparar mesmo sem ainda haver uma ameaça real de fogo no recinto. O espírito de pura energia seguia implacavelmente Ray com braçadas longas e velozes, vez ou outra tentando agarrá-lo, e mesmo após o insucesso de cada uma de suas investidas, a criatura voltava ao encalço do ágil uratha com uma velocidade incrível, arrastando a lataria da Harley-Davidson customizada, que ainda permanecia presa em seus membros inferiores e faiscava por todo percurso da perseguição, pendendo para os lados como um chicote, derrubando e destruindo o que se colocasse em seu caminho.
Ray arfante, já se aproximava do corredor onde Mike estava. Peças e ferramentas voavam para todas as direções do recinto como reflexo da fúria da criatura, e embora toda confiança que ele poderia ter no mundo, estivesse incondicionalmente depositada em seu companheiro de matilha, o afro americano já não conseguia esconder do olhar que praticamente gritava o seu companheiro; “Se tiver que fazer algo de extraordinário faça agora porra!”. E quando tudo parecia terminar num inevitável combate corpo a corpo entre o furioso espírito e os jovens lobisomens, o plano do lua crescente começou a dar certo. Mais precisamente quando os espíritos do dispositivo acataram seu comando e os rociadores de incêndios no teto do galpão começaram a funcionar. Ray saltou desesperadamente sobre uma imensa mesa de ferramentas próxima a janela, enquanto Mike correu de volta para o corredor e se resguardou atrás da porta anti-chamas. O espírito elétrico, que ainda buscava alcançar o irraka, foi pego de surpresa, em meio ao seu bote que parecia ser certeiro, pela onda de água vinda dos sprinklers que dispersavam a chuva artificial por todo ambiente. O monstro instantaneamente parou, rugiu e se contorceu como se estivesse sendo atingido por uma chuva ácida. Diversas reações começaram a ocorrer pelo seu dorso humanóide de forma rápida e exponencial. O fluxo de carga em seu corpo aumentava na medida em que os elétrons livres em movimento colidiam entre si em sua estrutura molecular, gerando faíscas que começaram a brotar pelos seus membros. Não demorou para que após alguns estouros a criatura em agonia entrasse em colapso, e fosse subjugada após um grande curto circuito, seguido por uma enorme explosão, que finalmente deu cabo a sua manifestação física.
Após o estrondo, o jovem ithaeur abriu rapidamente a porta, e correu para constatar se seu companheiro de matilha estava bem. Ray já se levantava, tossindo em meio à nuvem de fumaça que impregnou o ambiente. O esguio rapaz parecia estar bem.
– Wow cara, que estouro! – Disse Ray com um sorriso largo, ajeitando seu chapéu pescador de estimação sobre a cabeça raspada. Enquanto Mike atônito passou a observar o cenário pós-apocalíptico em que a oficina se encontrava.
– Cara, da uma olhada nessa, bagunça, o Paul vai matar agente – Respondeu Mike olhando e tentando reparar o que fosse possível na cena de destruição composta por; varias janelas quebradas, motos, caídas, arranhadas e algumas semi destruídas, sem contar os móveis e o maquinário encharcados, as milhares de ferramentas espalhadas por todos os cantos e algumas telhas que vieram abaixo com a explosão.
O californiano mal terminou a frase e como se respondendo ao seu chamado, a imensa porta de aço deslizou batendo no final do trilho, produzindo um eco que congelou sua espinha. Os enormes faróis do triciclo customizado iluminavam o galpão que contava com a claridade de apenas algumas lâmpadas fluorescentes que resistiram à explosão, revelando apenas a forma de um homem careca, alto e de constituição física assustadora. Os rapazes não precisavam enxergar para saber que aquele era seu alfa. Os olhos atentos de Paul buscavam friamente compreender o que havia ocorrido em sua oficina. Se esforçando para não gaguejar, Ray foi ao seu encontro para assumir a culpa do incidente. O irraka lhe explicou que ao entrar na sala onde Paul constrói as motos “especiais” para apagar as luzes e fechar a oficina, a criatura o atacou traiçoeiramente pelas costas e se não fosse pelo auxilio de Mike, o pior poderia ter acontecido...
Paul encarou os dois rapazes por alguns minutos que pareceram uma eternidade e a tensão apenas se dissipou, quando o homem de mais de um metro e noventa, aparentemente quase chegando na casa dos cinqüenta, mais com uma forma física invejável ate para um lutador profissional, abriu um largo sorriso e disse: - Bom trabalho...
Os jovens urathas se entreolharam confusos mais respirando aliviados pela aprovação de seu alfa que continuou a falar; - Um dos motivos de ter passado aqui novamente é pelo fato de os telefones de vocês não estarem atendendo, isso geralmente significa encrenca, ainda mais depois de eu ter me lembrando que não havia dito que a sala das motos fetiche não poderia ser aberta ate que o ritual de aprisionamento fosse completado por mim amanha pela manhã, mais em vista da situação e pelo pouco tempo em que estamos reunidos, até que vocês se saíram muito bem. – Ambos já abriam um largo sorriso quando ele completou; – O que não significa que vocês não terão que trabalhar dobrado para cobrir esses estragos. Mas no momento, temos assuntos mais importantes para resolver essa noite. A tarde, durante minha meditação buscando respostas para o nosso futuro, eu obtive uma Visão de Presságio, onde a poderosa Fênix mergulhava de forma veloz em direção ao deserto, visando alcançar com suas patas flamejantes dois lobos a beira de um precipício, na fronteira nordeste de nosso território. quando ela estava prestes a agarrá-los, uma outra matilha de lobos escuros surgiu por de trás as rochas e a interceptou antes que pudesse salva-los, e nada mais pude ver se não o vermelho escarlate do sangue despendido na batalha brutal que obscureceu as minhas vistas, e logo após ouvir seu guincho de agonia e tristeza eu voltei a mim...
- E o que isso significa Paul? Perguntou Ray completamente atento a cada palavra, enquanto o poderoso ithauer ainda olhando firmemente dentro de seus olhos, assumiu a forma dalu, o tornando ainda maior e mais ameaçador antes de responder;
- Significa que essa noite teremos uma grande batalha, haverá sangue, e que Deus nos ajude para que não seja o nosso, pois essa é uma batalha que não podemos perder...